ALVORADA

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Alvorada (2021)

“Eu tive 54 milhões e meio de votos, o que eu espero do senado é justiça”

Por Rosangela Dantas

Das narrativas propostas pelo cinema sobre a história política do Brasil, o que nos preenche pode ser também o que nos esvazia. O que o filme preserva do fato histórico e o que ele nos entrega de poesia na sua imagem nos ajuda a olhar o todo de um episódio dessa história. Alvorada nos desconforta e nos enche de silêncio. Ainda que seja um documentário, seu mérito está na subjetividade alcançada por seu olhar sobre os bastidores dos bastidores dos últimos meses de Dilma Rousseff como presidente durante o processo de impeachment.

Filmado dentro do Palácio da Alvorada, a câmera das diretoras Anna Muylaert e Lô Politi parece deslizar com cuidado pelos cômodos e recantos mais íntimos e prosaicos de um palco que agora é coxia. O documentário Alvorada precisa de um espectador honesto, ou, quem sabe, de uma autocrítica apurada à sua ideologia para analisar o filme, se este for o caso. Há muito mais a ser contemplado neste documentário do que o fato de se fazer um registro dos últimos dias de Dilma Rousseff do PT no poder.

Ao se propor a uma crônica daquele cotidiano, o filme faz uso das características deste gênero – humor, ironia, reflexão, incorporados pela perspectiva de quem assiste. E é com essa liberdade de deixar a vida seguir, “apesar de você”, que as diretoras filmam. A presidenta em suas relações e angústias, em seus afazeres e força, mas acima de tudo em sua dignidade, fio condutor da história proposta ali. O mais importante a ser mostrado estava exatamente no que ninguém via. Como falar de autocrítica de um partido sem cair no clichê blá blá blá político desbotado desses nossos dias? E o filme responde, mostrando as cores, os gêneros, a diversidade da única coisa de verdade nessa base que levou o Brasil até a Dilma: os trabalhadores.

É nesse retrato da relação dos que servem no Alvorada que podemos enxergar qual era a proposta para um Brasil mais igual, ainda que o projeto degringole, ele é o original. Com as veias abertas desse palácio, vemos os brasileiros e uma presidenta em paz consigo mesma, de ter feito o que pôde, saindo de cabeça erguida da forma mais injusta que alguém, no seu papel, poderia sair. No caminhar, uma doce melancolia.

O som do Alvorada e o som da alvorada são marcados no documentário pelo silêncio da impotência, preenchidos pelos ruídos e gritos abafados de uma certa resiliência, comum a quem já tem o hábito de lidar com injustiças. O registro da rotina dos trabalhadores, cumprida com afeto como numa canção de despedida. E, ainda, sem filtro, as lentes de Muylaert não entregam uma Dilma menos firme, muito pelo contrário, que há é força, além de respeito a um processo, que apesar de injusto, é “democrático”.

A imagem de um urubu preso em um dos cômodos do Alvorada, perambulando de forma bestial nos aponta tempos difíceis. Aguardemos o Alvorada 2, em 2022. Não dá para prometer a mesma obediência e elegância.

https://youtu.be/zJyETrosWlM

Onde assistir:

Alvorada (2021) (83’)

Direção: Anna Muylaert, Lô Politi

Canal Brasil –

Sexta-feira 27/08, às 15:20 Canal Brasil

Sexta-feira 27/08, às 15:20 Canal Brasil HD

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