Você não viu Bacurau?!

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Em tempo de Oscar, sem brasileiros na competição, é bom lembrar de filmes que mereciam estar na corrida pela estatueta.

Bacurau 2019 ‧ Thriller/Faroeste

Na tentativa de encontrar uma lógica para tudo que vem nos tomando o emocional e acessando nossos sufocos existenciais, buscamos no último filme de Cleber Mendonça (e Júlio) um caminho catártico, uma esperança, um projeto de futuro, ou quem sabe, apenas um ensaio, um discurso que no resgate dessa areia movediça despótica, que vem nos tragando diariamente dessa massa amórfica que são as redes sociais.

O cinema, esse espaço escuro que, muitas vezes, nos leva para luz ou, nos mata de sede em frente ao mar, em Bacurau, nos entrega um Brasil que se nega a sucumbir. Glauber Rocha muitas vezes bebeu nas sertanias brasileiras para vomitar, em tom desesperado, o Nordeste nos festivais de cinema mundo a fora. A fome árida e resistente na estética de seu Cinema Novo alimentava de uma certa transcendência, desbancando a exatidão correta de uma academia audiovisual, nos resguardando num certo cinema brasileiro.

Bacurau não se arrepende de ser Brasil e, qual a um discípulo de Mário de Andrade, antropofagicamente se apropria do que há de sangue e gênero no cinema. Nem toda paráfrase violenta de seu roteiro dá conta da violência do estranho momento que vivemos, restando a Bacurau o cinismo. Isso porque se trata do cinema de Cleber Mendonça, onde podemos enxergar essa autofagia nessa concepção audiovisual que nos empresta o desejo e o sofrimento, a carne e a loucura.

Mendonça nos coloca em um lugar não geográfico, coloca diante de nós o estrangeiro aos nossos sentimentos, o pior deles, o estrangeiro com a crença da superioridade racial, o preço de cada um, versos à resistência original dos sobreviventes. Bacurau se diz pássaro, deixa de ser lugar e passar a ser estado de espirito. Nos seus detalhes, o filme nos apresenta a miséria humana, o cinismo. Em sua totalidade é uma narrativa de crime e castigo, buscando sentido e argumento para se manter no jogo, não só como espaço, mas como alguém, aquele que na condição humana deseja exercer a liberdade.

E assim, com voz de novidade, as velhas notícias nos são reapresentadas, o velho contraste, o avanço tecnológico tratado como essencial e a fome aguardando a próxima eleição, na terra de Bacurau até a vacina chega de maneira suspeita.

A expressão da violência, o banho de sangue, recorrendo ao nosso imaginário para que a interlocução realize essa comunicação proposta pelo tema. Desse jeito, Bacurau se torna universal, o ódio como fio condutor dessa identificação. Quase como a outra face do amor que falta a este mundo. É preciso sangrar no cinema, as metáforas já não dão mais conta de representar essa democracia envergonhada. Ainda que ao final o confronto lhe cause um regozijo, atenção às palavras do próprio Cleber Mendonça, a intenção do filme não é promover a violência, mas sim o diálogo.

Agora uma pergunta que estremeceu o ano de 2019: Já assistiu Bacurau?