Sementes – Mulheres Pretas no Poder

Publicado por

“Em um país com a menor representação parlamentar feminina na América do Sul e com menos de 10% de cadeiras, existentes na câmera dos deputados, ocupadas por mulheres – responder politicamente ao assassinato de Marielle Franco significou a candidatar-se a cargos de deputadas federal e estadual nas eleições de 2018, disputar o espaço da política institucional do qual Marielle foi brutalmente arrancada”.

Renata Souza

Talvez essa resenha soe uma panfletagem em tempos de campanha eleitoral. Talvez, além de professora e cinéfila, eu seja uma eleitora carente, talvez 2020 não esteja acontecendo ou toda ordem de maldade faça sentido.

Documentar episódios políticos, campanhas eleitorais, não é nenhuma novidade. Os registros históricos nos ajudam a entender os caminhos por onde as narrativas se desenham e as custas de que ou de quem uma sociedade é construída. No entanto, “Sementes: mulheres pretas no poder” documenta a resistência em uma eleição que acontece ainda em pleno luto pela morte de Marielle Franco – um acontecimento atravessado por todo tipo de preconceito e injustiça, um luto que só cessará com a prisão dos responsáveis. 

Mônica Francisco

Desde o assassinato da vereadora, o Rio de Janeiro vive à espera da solução, dos mandantes e, se ainda não sabemos, do porquê deste crime. Independente de ideologia, muitos cariocas têm o entendimento de que esse não pode ser o ponto final da luta por uma cidade para todos. E é dentro dessa atmosfera que Éthel Oliveira e Júlia Mariano registram a campanha eleitoral de 2018, apontando suas lentes para um grupo de mulheres que se fazem sementes, fecundam suas candidaturas em nome de uma trajetória que protagonizou o que a política pode ter de bom: a caminhada, interrompida, de Marielle.

Mônica Francisco, Rose Cipriano, Tainá De Paula, Jaqueline Gomes, Renata Souza, Talíria Petrone, mulheres que têm em comum sua origem periférica, favelada. Têm em seus corpos as marcas da resistência. Dito isso, é importante destacar que o filme captura o que há de belo, forte e potente na voz dessas mulheres. Apesar da câmera acompanhar o percurso eleitoral, o filme escapa do panfleto e descortina as dificuldades de uma campanha, de algumas, sem tanto recurso, sucumbe à perseverança do boca-a-boca e à crença em uma atividade política integra. Professoras, socióloga, jornalista, arquiteta se posicionando, ocupando espaços desconfortáveis entre um homem branco e outro.

Talíria Petrone

Ao mostrar esse momento histórico do Rio de Janeiro, o documentário Sementes: Mulheres Pretas no Poder não deixa que se apague o caminho feito por ELAS. E, para além da importância do registro, são nos momentos de espontaneidades em que as personagens vão se dando conta de seus papéis, se emocionando, suspirando, reagindo, que nós também vamos nos dando conta de que é foda. Como na sequência em que Renata Souza, no carro, desmorona diante do silêncio do que parecia improvável. Sobram emoção e entusiasmo, combustível essencial para a esperança que estamos precisando nesta cidade/Estado/país tão castigados.