Três momentos no decorrer de três verões cinzas, com direito à chuva em muitas cenas. Aliás, a água soa quase como um fio condutor dessa narrativa. A piscina, que surge como objeto de ostentação, ganha ares de decadência na passagem de tempo. Os dias nublados pairam como prenuncio de dias difíceis naquela mansão de veraneio em Angra. Difíceis pra quem?
Não é novidade nenhuma o cinema beber na realidade para forjar seus roteiros, depois da literatura, entrando em contato com o espectador na busca de um caminho de identificação. O filme Três Verões, de Sandra Kogut, encontra, nos últimos escândalos de corrupção, um mote para sua história, lançando mão do aspecto periférico do contexto envolvido.
Ao apontar sua câmera para a área de serviço, Sandra não busca o mesmo olhar enquadrado por Anna Muylaert, no seu Que horas ela volta? Ainda que tenha em seu cast a mesma Regina Casé, que de mesma nada tem, as personagens, Val e Madá são totalmente diferentes. Segundo a própria Regina, sua última personagem não é “mais uma doméstica”, como muitos comentam, Madá, diferentemente de Val, é uma carioca “dona da porra toda”. Três Verões olha para a divisão de classes por um outro viés.
No filme de Kogut, a caseira, representada por Regina, se manifesta enquanto alguém, que apesar de não estar em um lugar de privilégio, está de olho nas oportunidades. A empreendedora Madá encabeça e articula maneiras de investir e progredir financeiramente, fazendo uso de seu livre trânsito pela casa e de sua intimidade com os patrões. A carioca, descolada, alimenta o sonho de se tornar uma pequena grande empresária.
No verão em que o tempo fecha, há na casa grande uma ocupação sem militância, há uma invasão sem arrombamento, há uma convivência pacífica em uma guerra. A história se configura com o que o espectador tem de informação, o que não está na tela é o que já sabemos sobre o assunto. Neste sentido, o filme se orienta por alguns vácuos, enquanto isso acontece diante da câmera, aquilo se desenrola em outro tempo e espaço.
Madalena, a caseira, sendo levada coercitivamente pela polícia federal metaforiza de maneira cômica as atuações espetaculares das operações da lava a jato. Regina Casé alimenta incondicionalmente o filme com sua interpretação, até mesmo em um momento melodramático, que acaba destoando um pouco da atmosfera do resto da história, causando no espectador um estranhamento, sem sacrificar o filme no seu todo.
O cinema brasileiro nos ajudando a olhar para nós mesmos e pra essa joça toda, sem perder a ternura jamais.