Após 27 anos, Ana Maria Magalhães, que registrou as crianças no projeto Mangueira do Amanhã, em 1992, reencontra esses herdeiros do samba para uma nova viagem audiovisual. O filme documental, Mangueira em Dois Tempos, exibido esta semana no Festival do Rio 2019, não só busca mostrar o que aconteceu com aqueles meninos e meninas que tinham suas vidas norteadas pela Escola de samba, como também reflete sobre os assuntos que atravessam o tema: a questão da violência na favela, o machismo e o racismo.
O filme não corre atrás de um acerto de contas, ele estabelece um diálogo entre esses dois momentos e, a partir desse reencontro, a imagem e as palavras dos personagens falam por si. O lirismo fica por conta do arquivo, o documentário anterior. Crianças invadem a tela com alegria, ritmo e samba no pé. É inevitável a comparação entre os dois tempos narrativos e como eles afetaram a vida desses pequenos artistas. A favela enquanto espaço narrativo dá o tom desse antes e depois mencionado pelos personagens.
As histórias de cada um são filmes que ninguém vê, as palavras desenham um tempo outro que eles tiveram que viver. Dentro do quadro somente a interseção do que ser e estar na Mangueira representam. O relato nos conduz a um ritmo do repique, que a diretora assimila organicamente para a montagem.
A abordagem nos permite perceber que a história das mulheres na escola de samba nesses dois tempos é um exemplo de que as oportunidades são, em sua maioria, dadas aos homens. Sem bandeira, o filme fala de mazelas e preconceitos naturalmente. Está tudo ali, em verso, prosa e percussão.
Ana Maria Magalhães deixa a Mangueira passar e é sobre a tradição da escola que seu filme discursa, para o bem ou para o mal. O momento não seria mais oportuno, a favela se manifesta legitimamente e da melhor forma, por meio de sua cultura.